O que sentem as mães que amamentam na UFSM?
Publicada em
Atualizada em
14/08/23 17h55m
582 Visualizações
Na UFSM em Palmeira das Missões foi recentemente inaugurada uma Sala de Amamentação. No campus sede, Centro de Educação também oferece espaço semelhante
Duas poltronas de courino na cor bege, dispostas uma ao lado da outra, mas separadas por uma mesinha de apoio que contém um vaso de folhagens avermelhadas, são o elemento central da sala. Ao lado de uma dessas poltronas está uma geladeira com freezer e, na frente, uma pia, um fogão e um micro-ondas, todos na cor branca.
Inaugurada no último dia 1º, marco inicial do ‘Agosto Dourado’, mês destinado a incentivar o aleitamento materno, a Sala de Amamentação no campus da UFSM em Palmeira das Missões já vinha sendo arquitetada há pelo menos seis meses.
Giovana Dorneles Higashi (à esq. na foto, ao lado da estudante de Enfermagem Caroline Krauzer), docente do departamento de Ciências da Saúde da UFSM-PM e coordenadora do projeto de extensão “Consultoria em amamentação: práticas amigas para proteção, promoção e incentivo ao aleitamento materno”, explica que a disponibilização de uma sala de amamentação na universidade é importante por demonstrar o compromisso da instituição em apoiar a saúde e o bem-estar de suas estudantes, servidoras e visitantes que são mães lactantes.
“A existência de uma sala de amamentação incentiva as mães e promove a continuidade do processo de aleitamento materno aos seus bebês após retornarem à universidade, seja para retornar às atividades laborais ou às atividades acadêmicas, possibilitando que elas forneçam leite materno de forma mais prática, segura e confortável durante o expediente na instituição”, pondera Giovana. Ela ainda complementa que ofertar uma sala de amamentação pode aumentar a conscientização sobre a importância do aleitamento materno, e que tal prática auxilia na construção de um ambiente acadêmico inclusivo e alinhado com as necessidades da sua comunidade.
Dificuldades
A importância do apoio e amparo às mães lactantes faz-se ainda mais necessário frente às inseguranças, dores, medos e julgamentos encontrados nesse período. Ao contrário do que tradicionalmente se dizia, amamentar não é instintivo e requer, sim, acompanhamento e informação. A própria ideia de que maternar e amamentar não se aprende, pois já seriam dons natos da mulher, leva à frustração aquelas que, por diversos motivos, não conseguem desenvolver tais papéis de forma a suprir as necessidades de seus bebês e suas próprias demandas emocionais.
Giovana explica que o projeto de extensão por ela coordenado oferece atendimento gratuito subsidiado por momentos de escuta, diálogo, orientação e informação às mulheres nos mais variados estágios da maternidade: gestantes, puérperas em início do processo de aleitamento materno, e aquelas que já estejam vivenciando o processo de desmame.
“Atendemos a população em dois locais, na unidade de saúde do município de Palmeira das Missões e no laboratório de enfermagem. Temos uma equipe composta, além da coordenadora, por mais uma professora e contamos com 10 estudantes de graduação (sendo uma bolsista) que também compõem a equipe. Observamos durante o atendimento que as principais dificuldades permeiam os aspectos relacionados à insegurança, medo, falta de rede de apoio, déficit de conhecimento e pouca orientação sobre o processo da lactação”, relata a docente.
Giovana também aproveita para explicar por que a amamentação tem sido tão estimulada, a ponto de a Organização Mundial da Saúde (OMS) ter instituído um mês inteiro voltado ao fomento dessa prática.
“O leite materno é um alimento completo. Isso significa que, até os 6 meses, o bebê não precisa de nenhum outro alimento (chá, suco, água ou outro leite). Ele é de mais fácil digestão do que qualquer outro leite e funciona como uma vacina*, pois é rico em anticorpos, protegendo a criança de muitas doenças como diarreia, infecções respiratórias, alergias, além de diminuir o risco de diabetes e obesidade. A amamentação promove o vínculo afetivo entre a mãe e o bebê. A sucção do bebê é um excelente exercício para o desenvolvimento da face da criança, ajuda a ter uma arcada dentária mais bonita e saudável assim como contribui para o desenvolvimento da fala e a ter uma boa respiração”, diz a docente.
Há ainda, segundo Giovana, evidências científicas de que o aleitamento materno contribui positivamente para o desenvolvimento cognitivo da criança, estando associado, também, a um menor risco de alergias alimentares e dermatites atópicas em bebês.
No que tange à mãe, a amamentação oferece ganhos à sua saúde e bem-estar, dentre esses, a professora destaca: recuperação pós-parto, redução do risco de doenças, perda de peso, menor risco de depressão pós-parto, economia de tempo e dinheiro, proteção contra osteoporose, vínculo emocional, dentre outros. “Neste sentido, ressalta-se que é importante que a mãe e o bebê recebam o suporte necessário para garantir uma alimentação adequada e saudável”, conclui.
A Sala de Amamentação da Ufsm em Palmeira das Missões foi idealizada por vários e várias profissionais, sendo fruto de um trabalho coletivo liderado pelo diretor do campus, professor Luiz Anildo Anacleto da Silva, e pelo vice-diretor, professor Daniel Ângelo Sganzerla Graichen.
Relatos estudantis
Segundo dados do Portal ‘Ufsm em números’, de 2018 para cá, todos os anos registraram um maior ingresso de estudantes mulheres, se comparado ao ingresso de homens. Só essa constatação já indica que a universidade como um todo deveria ter como norte a instituição de políticas que amparem as demandas específicas de suas estudantes, dentre essas, das estudantes mães. Mas muito ainda precisa ser feito.
Giovana e bebê Hugo: é preciso privacidade e segurança às mães e seus filhos e filhas
Giovana, estudante do curso de Engenharia de Produção, teve seu primeiro filho, o Hugo, no dia 23 de junho de 2023. Atualmente em licença, ela relata que, durante a gestação, recebeu muito apoio das e dos professores em sala de aula.
Segundo a estudante, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) tentou instituir, no campus sede, um espaço semelhante à Sala de Amamentação inaugurada em Palmeira das Missões, contudo, não dispunha da estrutura de que as discentes necessitavam.
“[...] em Santa Maria não temos esse espaço destinado à amamentação nem à integração de mães que estudam na UFSM e que residem na CEU [Casa do Estudante]. Para mim é muito importante que haja esse espaço destinado às mães e seus bebês por privacidade e segurança (temos relatos de invasão de privacidade das mães e crianças no momento do banho nos banheiros coletivos da casa do estudante antes de conseguir o direito do apartamento exclusivo), além de que acredito que a Universidade deva oferecer uma infraestrutura adequada para que mães possam acessar a universidade sem ter que escolher entre a maternidade e o acesso à educação. Claramente como a infraestrutura é hoje mostra que não é um espaço inclusivo”, partilha a estudante Giovana.
Ela, que é moradora da CEU, diz já ter amamentado no Restaurante Universitário, na Biblioteca e também em espaços abertos do campus sede. Sobre ela, comenta, recaem alguns olhares de curiosidade, “talvez porque a cena de uma mãe vivendo plenamente a universidade com um filho não seja a cena mais comum que alguns colegas veem”.
Ela diz que o principal desafio enfrentado ao amamentar foi a falta de experiência. Natural do interior de São Paulo, a estudante não conta com a presença física da mãe ou das primas que já são experientes para auxiliar. Isso fez com que ela encontrasse dificuldade de “fazer a pega” correta – expressão utilizada para designar o ato de o bebê sugar o leite materno do seio.
“[...] consegui corrigir [a pega] com auxílio das minhas amigas que são mães e se tornaram minha rede de apoio nessa caminhada, fico extremamente feliz em conseguir amamentar o Hugo e espero conseguir amamentar ele enquanto ele ainda sentir a necessidade de ser amamentado”, conta Giovana.
A estudante comenta que o processo de aleitamento tem sido uma experiência emocionante, mas cheia de altos e baixos. Dentre as inseguranças, algumas destacadas por ela foram se estava amamentando corretamente, se seu leite era suficiente para o bebê e como irá conciliar a amamentação com o retorno das atividades letivas presenciais, já que há uma grande incongruência entre o que indica a OMS e a Sociedade Brasileira de Pediatria (aleitamento materno exclusivo até 6 meses) e o tempo de licença-maternidade que a universidade e as empresas privadas concedem a suas estudantes e trabalhadoras (4 meses).
“[...] Mas é transformador saber que através da amamentação meu filho cresce e se desenvolve saudável, optei por não oferecer bicos artificiais por questão de saúde, então tem sido bem cansativo mas um processo cheio de amor”, conclui Giovana.
Ellen e a pequena Liza: demanda por creche e assistência psicológica institucional
Mãe da Liza, de dois anos e sete meses, Ellen Rilary, estudante do 9º semestre do curso de Geografia Bacharelado da UFSM, engravidou em abril de 2020, em meio à pandemia e à suspensão da presencialidade. Deu à luz em janeiro de 2021 e amamentou sua filha em isolamento durante um ano. Quando a universidade determinou o retorno à presencialidade, conseguiu uma creche comunitária no bairro Camobi para deixar Liza enquanto estava em aula, mas a opção se tornou inviável a Ellen devido ao deslocamento.
Ela relata ter amamentado na universidade sempre que sua filha demandava. Recebia alguns olhares agressivos, mas nunca uma repressão direta. Porém, como mãe e lactante, diz não ter se sentido acolhida pela instituição.
“Inclusive, depois de um ano frequentando o RU com a Liza, eu comecei a ser barrada pelos bolsistas e funcionários a entrar com a minha filha, alegando a necessidade de uma matrícula para a criança, que mesmo depois de feita não estava no sistema [...] o que sinto desde que engravidei é que a universidade não é espaço para mães, além de questões básicas como de infraestrutura, de acesso com rampas, fraldários, os prazos exigidos são incompatíveis com as demandas de um mãe universitária, isso sem falar em uma mãe universitária periférica e solo”, reflete.
Como amamentar não é um assunto simples e cada mãe tem suas vivências e percepções, Ellen tem uma visão um pouco diferente sobre a sala de amamentação. Ela diz que o deslocamento da mãe e do bebê para uma sala destinada especificamente à amamentação torna a estadia na universidade muito mais cansativa. Na avaliação da estudante, o que a universidade deveria fazer para apoiar as mães universitárias seria oferecer creche e outras políticas de forma a não penalizá-las, como aumento do tempo máximo de conclusão do curso para mães e gestantes, e justificativas para faltas sem a necessidade de atestado, já que as crianças muitas vezes ficam doentes e não necessitam de ir ao médico, mas de serem atendidas pela família no tratamento dos sintomas.
“A CAED [Coordenadoria de Ações Educacionais] deveria ter um programa de assistência psicológica para as mães, apesar de já solicitado por mim algumas vezes, acredito que não se sentem preparados para tal assunto. E podemos pensar em muitas outras questões em conjunto com outras mães universitárias”, complementa a mãe da Liza.
Sobre seu processo de amamentação em si, Ellen diz que, embora tenha conseguido acertar a “pega” já nas primeiras horas de vida de Liza, as cólicas na bebê que surgiram no retorno para casa fizeram-na se sentir mal por amamentar.
“Achava que quanto mais amamentasse, mais dor ela sentiria, sofremos muito até uma mãe me falar: dê sem medo, mal o teu leite nunca vai fazer, isso é tudo o que ela precisa. E foi o suficiente pra eu manter sem medo mais e mantivemos livre demanda até o 1 ano”, relembra.
Quando começou a fase da introdução alimentar – quando a criança, aos seis meses de vida, conforme recomendação da OMS e do Ministério da Saúde, começa a ingerir outros alimentos além do leite materno, Ellen teve novos desafios, visto que Liza não aceitava comida, apenas frutas e leite materno.
“Estava me esgotando, eu chorava e sentia muita vontade de tirar ela à força, não sinto medo em falar pois compreendo que é um sentimento compartilhado por muitas mães. Mas mantive até dezembro de 2022, poucos dias antes dela fazer 2 anos devido à questão financeira, mal conseguíamos comprar comida pra alimentar dois adultos, se eu desmamasse tinha medo de não ter dinheiro para alimentá-la. Realidade que se concretizou, hoje só não passamos fome devido à ajuda financeira da minha mãe e irmãs. Entendo que a amamentação só é possível com muita informação, rede de apoio e bons profissionais e/ou acesso à informação científica. E depende muito da realidade de cada família, do que se encaixa nas realidades e do que a lactante quer, porque a amamentação exige muitas calorias, disponibilidade, paciência e conhecimento, de pega, de produção, de hormônios, de afeto”, conclui Ellen.
Linda: ao amamentar, sinto como se estivessem me julgando ou criticando
Linda Correa Flores teve seu primeiro filho em 2016, aos 18 anos. Atualmente ela tem 25 anos e é mãe de duas crianças. No dia em que me concedera entrevista (4 de agosto de 2023), estava se formando no curso de Pedagogia na UFSM.
Uma vez que vivenciou sua maternidade junto à Ufsm, ela partilha algumas percepções:
“Tenho 2 filhos e os dois foram amamentados em sala de aula. Os professores lidaram super bem, nunca tive reclamações ou fui destratada por isso, apenas teve professores que reclamaram pelo fato de algumas vezes as crianças chamarem a atenção da turma, por serem bebês, tive professora que ficava incomodada, e me convidava a passear com o pequeno para ele se acalmar”.
Embora nunca tenha observado qualquer tipo de julgamento à sua pessoa por amamentar em diversos espaços da universidade, ela se sente, ainda assim, como se estivesse se expondo e vulnerabilizando demais.
“Já amamentei em outros espaços, nunca observei na UFSM nem um tipo de julgamento, mas eu me sinto desconfortável de amamentar em público sem cobrir o seio, pois já observei muitas pessoas criticando outras mães, e automaticamente me sinto incomodada como se as pessoas estivessem também me criticando ou julgando”, diz Linda.
Não é por acaso. Apesar das campanhas de conscientização e de muito já ter se avançado nesse sentido, o ato de amamentar em público ainda coloca muitas mulheres sob olhares que as acusam de estarem exercendo algo vexatório e vulgar. Pesquisa realizada em 2015 pela Lansinoh Laboratórios revelou que 47,5% das brasileiras relatam já terem sofrido preconceito por amamentar em público.
Ao comparar as experiências de amamentação com seus dois filhos, Linda traça algumas nuances.
“Do primeiro filho foi bem difícil, as primeiras semanas bem dolorido para amamentar, até se acostumar e tinha mais a função de acordar de noite para a amamentação, por esse motivo tranquei a faculdade por um semestre. Já no segundo filho não parei a faculdade, mas sigo ainda na amamentação, ele está agora com 2 anos e 7 meses. Passo o dia fora, mas quando chego de noite ele costuma mamar e também para dormir, ainda se acordando algumas vezes durante a noite para mamar. A maior dificuldade era a função de ter que amamentar durante a noite, pois no outro dia estamos exaustas. Eu me sinto muito bem por ter amamentado meus dois filhos e por estar amamentando ainda, este é um momento em que criamos um laço maior com os pequenos, eles se apegam mais, eu como mãe e sei de outras mães que gostam desse apego, amor que eles têm, do filho ser um pouco dependente da mãe, por mais que seja pelo mama, mas isso de eles quererem tanto estar conosco é muito bom”, relata.
O que diz a Política de Gênero da UFSM?
Aprovada em outubro de 2021 pelo Conselho Universitário, a Política de Igualdade de Gênero da UFSM aponta, em sua sessão III, eixo 3 (Assistência): “V – garantir o direito de amamentação livre em qualquer espaço da UFSM e sempre que possível disponibilizar espaços tranquilos e silenciosos – como uma sala de reuniões, uma cadeira confortável, etc”. Na prática, como esse direito tem sido efetivado?
Bruna Denkin, servidora pública e coordenadora da Casa Verônica [espaço destinado ao acolhimento de pessoas em situação de violência de gênero e à promoção da igualdade de gênero nos campi da Ufsm], explica que, dada a dimensão da instituição, não consegue dimensionar como esse direito tem se manifestado na prática em todos os campi.
“A Política de Igualdade de Gênero preconiza o direito à amamentação e, desde o ano passado, a Casa Verônica UFSM desenvolve uma campanha para a divulgação desse dispositivo da Política, disponibilizando cartazes sobre o respeito à livre amamentação junto aos Centros. Para que aconteça a implementação de espaços físicos com a finalidade de cumprir o disposto na Política, é necessário investimento em infraestrutura, que é algo mais específico de como cada centro destina os seus recursos e da forma de abordar o que é preconizado pelo documento. No campus da UFSM Santa Maria, temos conhecimento que o Centro de Educação (CE) havia implantado um espaço com esse objetivo”, diz Bruna.
Questionada pela Assessoria de Imprensa da Sedufsm, a diretora do CE, Marilene Dalla Corte, confirmou a informação. Ela conta que existem dois locais: um mais antigo, especificamente reservado à amamentação (3º andar do prédio 16B), e um fraldário mais recente, que também pode ser usado para amamentar (térreo do prédio 16B).
“Esse local da amamentação foi criado antes do início da pandemia. Tem um biombo personalizado, com pintura de mães e crianças, cadeira própria para amamentação. O espaço é no hall do terceiro andar do prédio 16B, mas tem um biombo para proteger a mãe e o bebê. E agora esse outro espaço (no térreo do prédio 16B) é uma das antigas copas do nosso prédio, que é um espaço pequeno, mas ali é fechado com porta, tem um fraldário e agora estão colocando uma poltrona. Ainda está sendo organizado esse espaço, porque solicitamos orçamento para colocar uma pia ali. Está sendo utilizado mas de maneira improvisada ainda”, explica a docente.
Se você tem notícia de espaços reservados à amamentação em sua unidade de ensino, pode enviar fotos e informações para nossa Assessoria.
Amamentar requer conhecimento científico
Segundo a OMS, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Ministério da Saúde, as e os bebês devem ser amamentados na primeira hora de vida e exclusivamente até os seis meses. A orientação é de que a amamentação siga como alimento complementar até os dois anos de vida, ou mais, da criança.
Em entrevista citada pelo site ‘Lunetas’, a assessora sênior de nutrição do UNICEF, France Bégin, diz: “Se todos os bebês fossem alimentados com nada além de leite materno desde o momento do seu nascimento até os seis meses de idade, mais de 800 mil vidas seriam salvas a cada ano”.
Polyana de Lima Ribeiro, mestre, doutoranda no programa de pós-graduação em Enfermagem da UFSM e enfermeira na Secretaria Municipal de São Sepé, explica que o leite materno possui as propriedades imunológicas, protetivas e nutritivas de que o bebê necessita nos primeiros seis meses de vida, dispensando a compra de fórmulas, bicos de mamadeira e outros acessórios. “Não há nenhuma outra estratégia isolada que alcance o resultado que a amamentação possui na redução da mortalidade de crianças menores de 5 anos”, complementa.
Ela cita o estudo "Breastfeeding and Child Development Outcomes: A Propensity Score Matching Analysis", publicado na revista científica JAMA Pediatrics, em 2021, que se propôs a examinar a relação entre amamentação e resultados do desenvolvimento infantil em crianças de três anos de idade. Tendo incluído dados de mais de 2.500 crianças, o estudo concluiu que as que foram amamentadas apresentaram resultados melhores em testes de desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental em comparação com crianças alimentadas com fórmula infantil. Proteção contra excesso de peso e diabetes na vida adulta, além de aumento significativo das habilidades linguísticas e motoras, também estão associadas à amamentação.
Amamentar, ainda, fortalece o binômio mãe-bebê, oportunizando interação, estabelecimento de vínculos e estímulo ao desenvolvimento afetivo, emocional e social da criança.
Mas o bebê não é o único beneficiado pela amamentação. Segundo Polyana, são inúmeros os benefícios da prática para a saúde das mães.
“Como a lactação (produção de leite) depende de estímulo e interações hormonais, quando o bebê suga o peito são liberados impulsos nervosos que permitem a síntese de dois hormônios muito importantes, a prolactina (responsável pela produção do leite) e a ocitocina (responsável pela ejeção/saída do leite). A liberação desse último, por sua vez, favorece que a mulher retorne ao peso pré-gravídico (que possuía antes da gestação), pois amamentar impulsiona a aceleração da involução uterina (contração do útero ao tamanho normal) minimizando o sangramento e risco de hemorragias após o nascimento do bebê, além de diminuir a possibilidade do desenvolvimento de alguns tipos de cânceres de ovário e de mama, como também o desenvolvimento de diabetes (VICTORA et al., 2016)”, explica a enfermeira e doutoranda.
Embora hoje o acesso à informação esteja mais facilitado e já se observem campanhas de incentivo ao aleitamento materno, Polyana diz que tanto a mulher quanto sua rede de apoio ainda sofrem com estímulos desencadeadores do desmame precoce, a exemplo de crenças e mitos sobre a amamentação, apoio insuficiente dos serviços de saúde e condutas inapropriadas por parte das empresas que produzem e das que distribuem marcas de fórmula infantil.
“Torna-se fundamental garantir conhecimento sobre o tema aos diferentes atores envolvidos nesse processo. É preciso que os profissionais estejam embasados de conhecimentos científicos e técnicos a respeito das questões anatômicas, fisiológicas, sociais, psicológicas e emocionais da nutriz, na intenção de reconhecer precocemente suas dificuldades e evitar prováveis complicações”, explica.
Quais os direitos das mulheres e bebês na legislação brasileira?
Segundo o artigo 396 da CLT, após a licença-maternidade de 120 dias, a mulher tem direito a dois descansos especiais de meia hora, durante a jornada de trabalho, para amamentar. Tal direito se estende até os seis meses de idade do bebê, incluindo se este for adotado.
Já a lei nº 13.872/2019 “estabelece o direito das mães amamentarem seus filhos durante a realização de concursos públicos na administração pública direta e indireta dos Poderes da União”.
No que tange especificamente às instituições do sistema federal de ensino, como as universidades, em 10 de maio de 2017, o então ministro da Educação Mendonça Filho assinou a portaria nº 604, que estabelece:
Art. 1 É garantido o direito de lactantes e lactentes à amamentação nas áreas de livre acesso ao público ou de uso coletivo nas instituições do sistema federal de ensino, especificadas no art. 16 da Lei n 9.394, de 1996 – LDB.
§ 1 A amamentação é ato livre e discricionário entre mãe e criança.
§ 2 O direito à amamentação deve ser assegurado independentemente da existência de locais, equipamentos ou instalações reservados para esse fim, cabendo unicamente à lactante a decisão de utilizá-los.
§ 3 Toda prestação de informação ou abordagem para dar ciência à lactante da existência dos recursos mencionados no § 2 deste artigo deve ser feita com discrição e respeito, sem criar constrangimento ao sugerir o uso desses recursos.
O exemplo da Ipê Amarelo
A Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo, vinculada à UFSM, atende crianças de 0 a 6 anos de idade. Em entrevista à Assessoria de Imprensa da Sedufsm, a diretora da Unidade, Maria Talita Fleig, relata que a Ipê possui um espaço reservado à amamentação e um lactário com uma geladeira específica para armazenamento das mamadeiras dos bebês que frequentam o local. A mesma geladeira também tem condições de realizar o acondicionamento de leite materno ordenhado de forma adequada. Há, ainda, estrutura para aquecimento em banho-maria e oferta conforme orientação da família. Essas ações são realizadas juntamente com o setor de Nutrição Escolar.
“Compreendemos o aleitamento materno para além de um ato de nutrição, mas que envolve um complexo de relações de afeto, carinho e respeito entre os sujeitos envolvidos. Na Unidade de Educação Infantil Ipê Amarelo/UEIIA incentivamos o aleitamento materno não só pelos benefícios biológicos para o bebê, mas por considerar a relação de bem-estar do bebê e sua família no período em que está frequentando a Unidade. Considerando que o maior índice de mães que amamentam, na UEIIA, são aquelas cujos bebês estão tendo a primeira experiência escolar, incentivar a amamentação é uma forma de fortalecer o elo de confiança e segurança entre família e escola, evitando um desmame precoce, aliado com uma inserção abrupta no contexto escolar. Além disso, procuramos acolher as famílias cujas crianças já são maiores e seguem com a amamentação”, partilha Talita.
Bancos de leite
O Brasil é referência mundial quando o assunto é coleta, armazenamento e distribuição de leite humano a bebês prematuros e de baixo peso. Segundo a OMS, o território brasileiro comporta a maior rede de bancos de leite humano do mundo, com 227 unidades e 240 postos de coleta pelos estados. Acesse aqui o site e saiba mais.
Texto: Bruna Homrich
Arte: Italo de Paula
Assessoria de Imprensa da Sedufsm