Palavras, falácias e generosidades SVG: calendario Publicada em 05/08/2020 SVG: views 2402 Visualizações

A palavra, independente do contexto da fala, afaga, acaricia e mima. De forma paradoxal e metafórica, a palavra e as ideias, podem ser, também, uma lâmina, uma navalha, pois é capaz de machucar e fazer sangrar. Produz o que chamamos de violência simbólica. Segundo a Psicanálise, pode ser mais incisiva que a violência física, pois mexe com processos psíquicos que ficam enclausurados nos porões de nossa alma, produzindo grandes traumas e podem levar anos de processos terápicos.

Ao analisar a nossa contemporaneidade, a linguagem e todos os lexos linguísticos estão sendo usados de forma  hegemônica, como instrumento de produção de dor e sofreguidão, pois nas relações sociais, no cotidiano, estão manifestando a faceta desumana e egoísta do ser social. No nosso tempo histórico, o interesse é a destruição, submissão e desmonte do Ser, do outro, na interlocução de um Eu totalitário e socialmente egoísta. Na conjuntura atual, de nossa terra brasilis, demonstra ao vivo e a cores que a generosidade tem tido pouco espaço na vida pública de nossa sôfrega, pólis.

Toda ação humana e, por consequência, a sua fala, possui uma intencionalidade, uma finalidade. Toda relação, teórica e prática, na vida social, pressupõe um interesse do sujeito de fala. Segundo Jacques Lacan, na "cadeia da fala", que envolve o ser e o outro, existe o "significante", que emana do desejo, que é a metonímia do sujeito no ser. O que se diz, como se diz, para quem se diz, porquê se diz, explicita-se o interesse e razão de quem diz. A dialética desse processo é que configura o significante. O interlocutor deve estar atento, pois não é simples extrair a verdadeira intenção do sujeito de fala. É histórico e remonta ao início da constituição da humanidade. O interesse oculto e o "verdadeiro" sentido das palavras tem que ter um interlocutor antenado, pois o ser humano é um especialista em escamotear, camuflar e esconder o interesse e a intencionalidade no diálogo nas relações sociais.

O sofisma virou o modus vivendi na vida da pólis. Viramos especialistas sofisticados na emanação de falácias, engodo e demagogia. tanto no cotidiano, de forma geral, como na política, de forma muito particular. Márcia Tiburi nos diz que "o descompromisso e a desonestidade com o que se diz são características de nossa sociedade há tempos". No contexto filosófico, Platão e Aristóteles se debateram e construíram instrumentos linguísticos para combater o discurso enganoso.

Na poética, Homero (VIII A.C.), em sua Odisseia, explicitou esse comportamento da alma humana. Ulisses, depois de duas décadas, na epopeia da guerra de Tróia, para evitar o bajulamento de seus asseclas, pela proteção da deusa Atena, se transformou num maltrapilho ao chegar em seu reino de Ítaca. Apesar de sua profunda transformação foi reconhecido por Argos, seu cão. Argos reconheceu seu amado dono e, com sua chegada balançou o rabo de alegria e se deu ao direito de morrer. Talvez esteja aí o conceito de que o cachorro é o melhor amigo do homem. Em função desse amor incondicional ouvimos até hoje que se prefere e confia-se mais no cão do que o falacioso ser humano.

Dessa grande metáfora, de Argos, podemos tirar que para nossos cães não importa o ter e o vestir, isto sim, para eles o que interessa é o ser. O cão se fundamenta na empatia e no humano estão em jogo os interesses econômicos, políticos e sociais. No século XX, Hannah Arendt vai nos afirmar que Política e Verdade, Política e Sinceridade, nunca se deram muito bem. Em nossa Conjuntura Política atual, que podemos falar das bazófias de nosso chefe de Estado e os demais mandatários de seu clã?

O discurso enganoso de Bolsonaro tem infantilizado e gerado o mal na alma de seus seguidores. A homofobia e o racismo estão flanando de forma descarada na vida social brasileira, sendo corroborado pelo obscurantismo religioso que, infelizmente, virou política de Estado. A direita fala de Democracia, mas defende a volta do obscurantismo e da Ditadura, com um discurso falacioso. Não existe uma política de defesa de uma vida digna, culta e saudável. Estamos vivendo tempos que realmente devemos saudar o universo infinito dos Argos e combater o autoritarismo dos sofistas que se encastelaram no poder. Por isso, nossos mandatários não gostam de políticas públicas que eduquem os cidadãos para o bem e o respeito ao outro.

Infelizmente, as palavras estão, hegemonicamente, para ferir e sangrar. Nossas almas são mais vastas que essa nossa triste realidade. Portanto, lutemos por uma Educação que busque generosidade e que tenhamos muito respeito ao outro e partilhemos um universo de palavras que afaguem a maioria dos seres humanos brasileiros que vivem esse fundamentalismo demagógico e produtor de vidas egoístas.

Para encerrar, vamos pensar com o psicanalista Contardo Calligaris, quando afirma que ao parecermos inteligentes ou poderosos estamos nos tornando estúpidos. E, mais, acreditar nas máscaras que vestimos é um delírio que nos torna perigosos.

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por Luiz Carlos Nascimento da Rosa
Professor aposentado do departamento de Metodologia do Ensino do CE

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