Pátria, família e a reprodução das dinastias políticas
Publicada em
23/07/2025
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O fenômeno de famílias com forte influência política, também conhecidas como dinastias políticas, é comum em vários países, incluindo o Brasil, onde a concentração de poder político em certas famílias é notável. Essa influência pode se manifestar através de gerações sucessivas de políticos ou de membros da mesma família ocupando cargos de poder. ´
O Brasil possui uma forte tradição de famílias políticas, com um histórico de reprodução de poder legislativo e judiciário, além de influência em outras áreas como mídia e empresas. Na política partidária, podemos identificar as relações entre parentesco e poder político em localidades que vão desde os menores até os maiores municípios, do Nordeste ao Sul, do Sudeste ao Centro-Oeste. Família é uma das mais importantes variáveis de análise na sociologia política, em geral.
A tradição da dinastia política no Brasil e América Latina
Uma família política se caracteriza pela transmissão do poder e dos cargos pelas relações familiares, muitas vezes com o mesmo sobrenome. Isso inclui desde famílias tradicionais, que operam na política desde os tempos anteriores à independência do Brasil, como os Andrada, de Minas Gerais, até os novos políticos emergentes que criam uma nova tradição familiar na política a partir de si próprios. Quem não ouviu acerca dos Macedo, dos Gomes, dos Maia, dos Arraes, dos Magalhães, entre outras famílias políticas no Brasil?
“Um estudo da UnB (Universidade de Brasília) mostrou que, de 2002 a 2010, houve um crescimento de mais de 10 pontos percentuais no número de deputados federais que pertencem à família de outras figuras relevantes da política partidária, considerados cargos eletivos e de primeiro escalão no poder Executivo. O índice era de 46,6% no último ano de análise do estudo e continuou crescendo”.
Para Ricardo Costa de Oliveira, professor titular de sociologia política da UFPR (Universidade Federal do Paraná), a tradição da dinastia política é mais forte no Brasil e em outros países latino-americanos em razão das disparidades estruturais que marcam essas sociedades desde os tempos de colônia.
“Ainda hoje, grande parte dos senadores e deputados federais, dos membros da magistratura, da cúpula militar, da diplomacia possuem relações com famílias políticas”, afirma Ricardo Costa de Oliveira.
Oliveira ainda pontua: “o campo político reproduz a mesma lógica dominante, que perpetua o problema da grande desigualdade social e política brasileira. Aliás, boa parte da estrutura social e política no Brasil se confunde com genealogias e famílias. Enquanto os filhos da pobreza, da periferia e da exclusão, geralmente negros e mestiços, continuam a seguir os destinos das mães e dos pais, famílias com grande patrimônio e renda, geralmente brancas, conseguem reproduzir suas redes sociais, privilégios e boas carreiras ao longo de várias gerações”.
O caso bem-sucedido da família Bolsonaro
A família Bolsonaro é um exemplo de caso bem-sucedido. Há 30 anos, a família Bolsonaro vive pendurada nos cofres públicos. Não há incongruência maior que demonizar a política e criticar o “sistema” sendo parte do “sistema”. Atualmente, Bolsonaro tem quatro filhos no mundo da política: dois vereadores (um no Rio de Janeiro e outro em Balneário Camboriú), um deputado federal, um senador da república; Carlos Bolsonaro, Jair Renan Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, respectivamente. Para a próxima eleição, Michelle Bolsonaro é cotada disputar a presidência ou o Senado pelo Distrito Federal. E não podemos esquecer a grande estrutura de assessores parlamentares que envolveu outras famílias, como a de Fabrício Queiroz e a de milicianos.
Brasil e as maiores taxas mundiais de reprodução de famílias políticas no poder Legislativo
O Brasil, especificamente, apresenta as maiores taxas mundiais de reprodução de famílias políticas no poder Legislativo. Boa parte da alta cúpula do poder Judiciário também é composta por famílias jurídico-políticas. Os Tribunais de Contas, os clubes de futebol, as grandes empresas, inclusive as da mídia e do sistema financeiro, os cartórios, o generalato, as famílias nas altas hierarquias das religiões: os donos do poder geralmente são donos hereditários.
O impacto da presença dessas famílias políticas para o funcionamento da democracia é muito negativo para a sociedade porque impede a renovação, a entrada de novos grupos sociais na política. Impede, portanto, a plena representação política plural e, consequentemente, a democratização.
“Um sistema político organizado a partir de famílias políticas tende a pouca cidadania, poucos investimentos em direitos trabalhistas, carências históricas na educação e saúde. Uma grande oligarquização familiar sempre tende ao autoritarismo e a golpismos históricos para a manutenção e preservação do status quo. É uma estrutura que permite a continuidade de uma sociedade ainda baseada em características como patrimonialismo, coronelismo, mandonismos e nepotismos”, finaliza Oliveira.
O que chama atenção no caso brasileiro é que vemos casos de famílias políticas tanto na esquerda quanto na direita, em quase todos partidos políticos. “Grupos familiares frequentemente controlam diretórios regionais de partidos e juventudes partidárias.
“Mas há uma maior concentração [desse tipo de estrutura] em partidos à direita, em função da dinâmica mais conservadora [que guia esses partidos]. Na direita, a família é a principal forma de organização e atuação política”.
Outra diferença é que a direita usa muito mais o capital político familiar na forma de dinheiro e recursos empresariais [acessados por meio das relações familiares].
Na esquerda, vários parlamentares operam o capital político familiar a partir de formas simbólicas de valorização dos nomes e das lutas de seus ascendentes, sejam elas reais ou não. Os herdeiros políticos sempre declaram que acompanhavam desde a infância as trajetórias, reuniões, eleições dos pais e parentes, adquirindo um “habitus de classe” [compartilhado por políticos] desde a infância e juventude. Alguns se referem ao fato de “respirarem política desde que nasceram”.
De fato, a estrutura política no Brasil se confunde com genealogias e famílias.
Referências
NEXO. A estrutura política no Brasil se confunde com genealogias e famílias.
Sobre o(a) autor(a)
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM