Quem se incomoda com a presença de crianças no campus? SVG: calendario Publicada em
SVG: atualizacao Atualizada em 05/08/24 15h08m
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Reclamação registrada em portal levanta discussão sobre falta de acolhimento a docentes que necessitam levar filhos(as) para o local de trabalho

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Ao mesmo tempo em que, nacionalmente, as mulheres mães conquistam direitos como a Lei 14.925/2024, sancionada em julho, que prevê prazos maiores para a conclusão de cursos superiores ou programas de pesquisa e pós-graduação em razão do nascimento de filho ou adoção, e que a UFSM desponta nacionalmente sendo uma das primeiras a aprovar uma política de gênero (em 2021), pais e mães docentes não visualizam, na prática, a efetivação de políticas que garantam seus direitos. É papel da Universidade acolher filhos e filhas de servidores e servidoras? E de estudantes? Um caso, ocorrido no ano passado, exemplifica a problemática das crianças dentro da UFSM.

No dia 9 de outubro de 2023, as e os docentes do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da UFSM receberam, da direção, um e-mail intitulado “Orientação sobre presença de crianças no ambiente de trabalho”. No corpo do e-mail era informado que a unidade tivera acesso a uma denúncia da ouvidoria a respeito da presença de crianças, filhas e filhos de servidoras e servidores, nas dependências do Centro. Frente a essa situação - seguia o e-mail -, a direção do CCS fez uma consulta à Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep) sobre o tema, tendo recebido o seguinte retorno (originalmente anexado como forma de documento na mensagem eletrônica):

“[...] A presença de filhos de servidores no ambiente de trabalho é uma questão delicada e que precisa ser abordada com sensibilidade. Por um lado, reconhecemos as dificuldades enfrentadas por servidores, especialmente aqueles que são pais ou mães solos, em conciliar suas responsabilidades profissionais com as demandas familiares. Por outro lado, é essencial garantir um ambiente produtivo e sem distrações para todos os servidores. Em muitos casos, servidores em situações semelhantes têm buscado alternativas como creches, escolas em turno integral, grupos de apoio entre pais para cuidados compartilhados, e até mesmo a contratação de cuidadores ou babás para períodos específicos”. Após esse trecho, o pró-reitor de Gestão de Pessoas, Frank Casado, que assina o documento, elenca quatro riscos associados à presença de crianças no ambiente de trabalho: riscos de acidentes; interrupções e distrações; responsabilidade legal e estresse adicional. Para finalizar, o gestor escreve que “Fica difícil analisar a particularidade e a situação em cada caso, neste sentido, é importante o bom senso e, principalmente, a manutenção de um ambiente produtivo, seguro e sem distrações”.

Na resposta à direção do CCS, Casado fez ainda mais um adendo ao conteúdo do primeiro documento: “Recomendo que não se adote a prática de permitir a presença contínua de crianças no ambiente de trabalho. No entanto, compreendemos que situações esporádicas podem ocorrer e, nesses casos, podem ser consideradas como exceções”.

Após o fechamento desta reportagem, o pró-reitor de Gestão de Pessoas respondeu aos questionamentos enviados pela Assessoria de Imprensa da SEDUFSM sobre a questão. O gestor afirmou que a UFSM está comprometida em criar um ambiente de trabalho inclusivo e acolhedor.

Embora não exista uma regulamentação específica para a presença de filhos de servidores da UFSM no local de trabalho, entendemos a necessidade de equilíbrio entre vida profissional e pessoal. A presença esporádica de filhos no ambiente de trabalho não deve ser encarada como um problema, sendo é importante considerar as necessidades excepcionais de cada caso. No entanto, a presença contínua de crianças deve ser tratada com cautela, priorizando a integridade física, psíquica e moral das crianças conforme o Artigo 17 da Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Em casos de necessidade, a demanda deve ser analisada juntamente com a chefia imediata, a PROGEP e a Casa Verônica, em analogia à Resolução 64/2021”, informou Casado.

Mas, afinal, qual era o conteúdo da denúncia na Ouvidoria?

Primeiramente, não se tratou de uma denúncia, mas de uma reclamação anônima registrada na Plataforma Integrada de Ouvidoria e Acesso à Informação (Fala.BR), no dia 29 de setembro de 2023. A manifestação dizia o seguinte: “Gostaria de esclarecimento sobre presença de crianças, filhos de servidores, de forma assídua e frequente/diária no trabalho. Não reconheço como uma prática favorável ao ambiente de trabalho. E isso está se tornando prática rotineira. Era um servidor, agora são dois, três.......”. O local apontado foi o CCS-UFSM.

Ao abrir sua caixa de entrada naquele dia 9 de outubro, cada docente do CCS achou que o e-mail em questão era destinado a si, ou motivado por uma ação sua. E o fato de tantos docentes sentirem-se responsáveis pelo comunicado que recebiam mostra que a necessidade de levar filhos e filhas para o ambiente de trabalho não é a realidade de um ou outro, mas de muitos. Da mãe ou do pai que tem de levar os filhos diária ou semanalmente, àquele ou àquela que teve de recorrer a essa prática de forma episódica durante o recesso escolar, todas e todos poderiam ter sido alvo de uma reclamação semelhante à registrada contra a comunidade do CCS. Se uma questão é assim tão comum e cotidiana, impera a necessidade de ser debatida, e é a isso que nos propomos nesta reportagem.

Abaixo, conheceremos a história de três docentes que, por falta de rede de apoio, auxílio-creche insuficiente ou mesmo motivos de saúde, levaram e ainda levam seus filhos para o ambiente de trabalho.

Nos próximos dias publicaremos matéria com a visão das e dos estudantes que também levam seus filhos e filhas à universidade. 

“Eu me sinto como se a Progep estivesse falando para mim: ‘pede pra sair’”

Tatiana Dimov é professora do departamento de Terapia Ocupacional da UFSM e mãe de quatro filhas. Não tem naturalidade gaúcha e seu companheiro, pai de suas filhas, trabalha na Unipampa de Dom Pedrito (262km distante, de carro, de Santa Maria).

“Semestre passado eu levei minha filha de sete anos todas as quintas-feiras, que era um dia que eu não tinha com quem deixá-la. Não temos o acesso ao direito trabalhista de ter creches próximas ao local de trabalho, e o valor que a UFSM paga de auxílio-creche não chega nem perto do valor do período integral das creches aqui perto. Eu tenho quatro filhas e não tenho como pagar cuidado integral de quatro crianças. Tem semestres, dependendo da organização do semestre, que elas precisam vir algum dia da semana, ou alguma delas precisa vir”, conta Tatiana, cujas filhas têm uma grande variação de idade, entre 12 e sete anos. No departamento de TO, diz a docente, as relações são muito tranquilas e, quando as meninas estão lá, tanto as alunas quanto outras docentes são acolhedoras.

“Eu sou chefe de departamento e, quando estou fazendo trabalho administrativo ou orientando aluno, aí eu as deixo num espaço comum, numa mesinha que tem, e elas ficam fazendo as coisas delas. Levo tarefa, desenho, folha, papel, canetinha, lápis de cor. Às vezes se é muito tempo eu levo tablet com algum conteúdo para elas assistirem. Mas se eu estou dando aula, elas ficam dentro da sala de aula desenhando”, partilha Tatiana.

Embora ela nunca tenha ouvido qualquer reclamação de seus colegas ou mesmo de alunos, ao receber o e-mail da direção do CCS sobre a queixa a respeito das crianças, ela também foi acometida pelo mal-estar generalizado e pela dúvida: afinal, por que a presença de crianças no campus é algo a ser denunciado?

A docente trava, ainda, uma batalha em outra frente. Duas de suas filhas foram prematuras e, em decorrência de tal condição, enfrentam um problema de saúde bucal que demanda acompanhamento médico regular. O companheiro de Tatiana, então, entrou com um pedido administrativo na Unipampa solicitando mudança de lotação por necessidade de saúde de dependente. O pedido foi analisado pela junta odontológica da UFSM, que emitiu parecer atestando o problema de saúde das meninas, a necessidade de atendimentos médicos constantes e a possibilidade de agravamento em caso de interrupção do tratamento. Contudo, após essas constatações, a junta aponta que o pai não precisa se deslocar de Dom Pedrito pois a mãe está em Santa Maria para cuidar.

“A partir desse parecer misógino, esse direito do meu companheiro é negado. E a sensação que eu tenho da Gestão de Pessoas da UFSM é que não é possível eu ficar. Eu sou mãe, tenho crianças, não tenho uma creche para deixar as crianças, não recebo a verba que seria correspondente para eu poder pagar o cuidado dessas crianças no período integral, não tenho rede de apoio, não posso trazer as crianças para o trabalho e o pai delas não pode vir para cá para ajudar a cuidar delas. Então o que eu posso fazer? Eu sinto como se a Progep estivesse falando para mim: ‘pede pra sair’”, diz Tatiana.

Hoje, o valor do auxílio-creche para servidores públicos federais é de R$ 484,90.

“Não tem crianças circulando aqui no centro a ponto de ser algo incomodativo”

Até ano passado, André Valle de Bairros, docente do departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da UFSM, tinha de levar seu filho de 11 anos todas as tardes para a universidade. Uma vez que a criança já era alfabetizada e tinha certo grau de maturidade, o pai lhe apresentou a Biblioteca Central do campus, onde o menino lia e jogava damas ou xadrez com quem estivesse disponível. Em dias de clima ameno, conta o pai, o destino era as quadras e a diversão era jogar bola.

André contou nunca ter ouvido qualquer queixa vinda de colegas de departamento, mesmo porque havia outros docentes que também tinham aquela necessidade. “O problema, no meu caso, é que somos só eu e a mãe dele”, explica o docente, que relatou já ter sentido desconforto por parte de estudantes com a situação.

Ao receber o e-mail citado no início desta reportagem, o docente se indignou. “O que incomodou tanto? Não tem crianças circulando aqui no Centro a ponto de ser algo incomodativo”, questiona. Uma preocupação, diz ele, é de fato relacionada à segurança, já que o laboratório em que trabalha possui material biológico e químico, não sendo local propício para criança.

“Não tenho rede de apoio nem familiar aqui”

Hoje Theodoro, filho da docente do departamento de Psicologia da UFSM, Lirene Finkler, tem 11 anos. Nos últimos dois anos, ela teve de levá-lo todas as tardes, no turno oposto da escola, para o trabalho. No tempo em que a acompanhava, o menino fica com ela na sala, brincando no computador ou fazendo atividade da escola. Por vezes encontrava outras crianças, filhas de outros servidores, e brincava com elas.

“Trabalho na UFSM há três anos e o Theodoro mora aqui em Santa Maria comigo há dois anos. Então há dois anos que eu gerencio essa situação do cuidado dele. Somos só eu e ele. Não tenho rede de apoio nem familiar aqui ainda, preciso ir constituindo. Então o que tenho feito é levado ele junto no turno oposto da escola. Ele tinha nove anos quando começamos a fazer isso”, partilha Lirene.

Uma vez que ela trabalha em um prédio próximo ao Planetário, por vezes Theo e outras crianças brincam no gramado que existe ali nas proximidades. Mas não é possível ficar de olho no menino o tempo todo.

*Theo, na foto, 'escalando' o Planetário

“No meu caso nunca tive nenhum ‘senão’ da presença dele ali, mas não há um lugar onde eu pudesse levá-lo. Seria legal se tivesse algum espaço relativamente com mais cuidado, porque, por exemplo, quando deixo ele jogando bola lá, eu não estou vendo o que está acontecendo, se estão atravessando a rua ali do  Planetário, se estão fazendo brincadeiras imprudentes de criança, etc, e aí não tem ninguém cuidando. Seria legal ter espaço com um orientador”, perspectiva a docente.

Hoje Lirene paga uma pessoa para cuidar do Theo duas vezes na semana e, em outra tarde, ele concentra atividades extracurriculares – como ioga e violão. Nas duas tardes restantes, ele segue acompanhando sua mãe ao campus, nos turnos inversos ao da escola.

O que diz a Política de Gênero da UFSM?

Sancionada em 3 de novembro de 2021, a Política de Igualdade de Gênero da UFSM prevê, em alguns de seus trechos, a presença de crianças em sala de aula e a adequação de horários para docentes pais e mães de filhos com até dois anos de idade. Além disso, a resolução orienta ainda outras formas de acolhimento a mães e pais servidores e estudantes da instituição. Abaixo, destacamos algumas passagens do documento, que pode ser lido na íntegra aqui:

“VI – possibilidade de justificar eventuais atrasos ou faltas em dias de entrega de trabalhos ou realização de provas, para mães e pais que estejam atendendo às necessidades específicas dos(as) filhos(as), desde que comprovado por atestado médico ou declaração da escola de educação infantil;

VII – participação de crianças de até 12 (doze) anos em sala de aula, em disciplinas teóricas na companhia da mãe ou do pai, caso necessário, desde que o ambiente garanta a segurança e a integridade física da criança;

VIII – adaptação dos horários de aula junto ao colegiado de curso e ao departamento, conforme as necessidades de mães e pais docentes, com filhos e/ou filhas de 0 (zero) a 2 (dois) anos;

IX – intervenção junto à turma (docentes e estudantes) no caso da necessidade de as crianças frequentarem a sala de aula na companhia da mãe ou do pai;

X – respeito e atenção à maternidade indígena, principalmente no que se refere à relação entre mãe e filhos/as; e,

XI – prioridade no atendimento psicológico e acompanhamento pedagógico às mães e aos pais nos órgãos citados nessa política”.

“A política de gênero é explícita mas, infelizmente, não é executada integralmente. Recebemos, constantemente, reclamações de mães docentes pela falta de acolhimento em seus setores. E, se com as servidoras é difícil, imagina com as estudantes mães”, declara a diretora da Sedufsm, Neila Baldi. Para ela, é preciso que a Universidade pense em locais para acolhimento de crianças da comunidade universitária e incentive ações que atendem a este público. Ela cita o Programa de Extensão Brincar+UFSM, coordenado pela professora Ariane Pacheco e pelo professor Jessé da Cruz, do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD), criado para acolher filhos e filhas de estudantes que vivem na Casa do Estudante Universitário.

Alternativas

Ao invés de uma caça às crianças, o que deveria estar sendo debatido é a ampliação dos direitos reservados às mães e pais da comunidade universitária. Para Tatiana Dimov, há de se lutar pelo direito à creche.

“Tem uma lei trabalhista a esse respeito que diz que os lugares de trabalho com número acima de x trabalhadoras devem oferecer creche. E eu entendo que é um direito trabalhista que a instituição não está cumprindo. Acho que esse valor que recebemos de auxílio-creche não atende à necessidade que é creche em tempo integral e compromete o direito da criança de ter acesso à amamentação até os dois anos, que é o que a OMS preconiza. Para as servidoras que escolhem amamentar, como eu, ficamos sem a possibilidade de oferecer isso para a criança, ou tendo que gastar muito a mais. Eu tive que gastar muito dinheiro com aluguel perto da UFSM para poder retornar em alguns momentos e amamentar minhas filhas até os dois anos”, diz a docente.

Cabe lembrar que o mês de Agosto é conhecido por iniciativas de conscientização e incentivo ao aleitamento materno. Leia nossa reportagem do ano passado sobre a questão.

André Valle de Bairros lembra que as crianças e adolescentes que acompanham seus pais no trabalho pertencem a uma faixa etária bem diversa – transitando, sobretudo, entre cinco e 15 anos. Para ele é interessante a ideia de oficinas disponibilizadas pela universidade, com atividades diversas e destinadas às crianças e adolescentes que frequentam o campus. Essas atividades, continua o docente, poderiam ser ofertadas por estudantes da própria UFSM que trabalhassem, por exemplo, com oficina de teatro.

“A curto prazo penso que poderiam ser estimulados projetos de extensão dentro da UFSM, com oferta de ACGs para alunos que desenvolvessem esses projetos, por exemplo. A longo prazo teria que se pensar em um local específico – infraestrutura, terreno, contratação de pessoas -, para daqui cinco anos ou mais. Esses projetos de curto prazo dariam uma resposta para a reitoria da real necessidade existente”, sugere André.

Sugestão semelhante é trazida pela professora Lirene Finkler, que fala em ‘oficinas lúdicas’, orientadas por professores e promovidas por estagiários.

“Por exemplo, o Theo participava do grupo de estimulação das inteligências múltiplas, que acontece nos sábados, a cada 15 dias. Sempre tem a questão da segurança que fica delicada. Isso significaria que as crianças estariam sob responsabilidade da universidade? Isso é complicado. Para mim, está claro que a responsabilidade é minha e seria só uma atividade lúdica dirigida, mas outras pessoas poderiam cobrar. Mas também poderiam ser atividades internas de brincadeiras que não fossem ficar no celular ou computador. A biblioteca é um espaço interessante onde daria para fazer coisas. Oficina do curso de Dança, Matemática, Educação Física, Psicologia. Coisas assim poderiam ser inventadas, talvez como uma extensão. Há necessidades diferentes para faixas etárias, mas atividades cooperativas seriam interessantes”, sugere Lirene.

 

Texto: Bruna Homrich

Imagens: Banco de Imagens e Arquivo Pessoal 

Assessoria de Imprensa da SEDUFSM

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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