Pacto del Olvido SVG: calendario Publicada em 07/06/2023 SVG: views 6538 Visualizações

"Aqui no Brasil não se pune torturador, não se julga torturador, não se condena torturador”.
(Adriano Diogo, geólogo e político brasileiro, filiado ao Partido dos Trabalhadores)

A historiadora canadense Margaret MacMillan afirma: “a história nos traz de volta ao passado, mas também pode deixá-lo esquecido”. Cabe a nós – historiadores ou não – resgatá-lo, explicá-lo, compreendê-lo. Ou seja, o exame honesto do passado – seja doloroso ou não – para as pessoas e os países é o único modo de tornar as sociedades maduras e de construir laços com as outras.

Na Espanha, quando houve o retorno – gradual – da democracia após a morte do general Franco em 1975, “houve um acordo tácito” – o ‘Pacto de Olvido’ – para que fosse esquecido o trauma da guerra civil e os anos de repressão que seguiram” (MACMILLAN, 2010, p. 163). 

Nas últimas décadas, contudo, escritores, historiadores e cineastas começaram a explorar os horrores da guerra civil. Em novembro de 2007, o governo espanhol promulgou a Lei da Memória Histórica. Houve um esforço nacional para localizar as covas coletivas e identificar os ossos daqueles que foram mortos pelos soldados vitoriosos de Franco. 

Durante a Guerra Fria, os alemães ocidentais estavam se defrontando com seu passado nazista e os alemães orientais o evitavam. O Estado comunista da Alemanha oriental buscou se livrar de qualquer ligação ou responsabilidade pelo período nazista. Afirmava-se que Hitler e os nazistas representavam o último estágio do capitalismo. Para os alemães orientais, Hitler e seus séquitos começaram a guerra e mataram milhões de judeus e outros europeus. 

Entretanto, a Alemanha oriental era socialista, progressista e esteve – sempre – ao lado da União Soviética contra o fascismo. Um bom número de alemães orientais acreditavam que “seu país” tinha lutado ao lado soviético na Segunda Guerra Mundial.  Nos anos pós-guerra, o Japão assumiu a postura de vítima. Eles usavam o bombardeio nuclear de Hiroshima e Nagasaki como meio de desviar a atenção de seus próprios crimes. Os japoneses foram acusados de não terem reconhecido a culpa da invasão da China nos anos 1930, bem como o tratamento violento e brutal daqueles que foram conquistados, desde os estupros de Nanquim aos experimentos médicos desumanos realizados na Manchúria. 

Vale destacar também a “a amnésia histórica” da Áustria. Nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial, os austríacos colocaram-se como a primeira vítima do nazismo. Segundo esta “versão bem sucedida”, os austríacos eram um povo feliz e com pessoas tranquilas que jamais tinham desejado se juntar aos nazistas alemães. Hitler os forçou à Anschluss. O fato dos nazistas mais ardorosos, incluindo o próprio Hitler, serem austríacos; multidões apaixonadas terem saudado a marcha triunfal do Exército nazista sobre Viena em 1938; e de ter ocorrido uma colaboração espontânea de muitos austríacos na perseguição eliminação de judeus; tudo isso foi “esquecido” e varrido para debaixo do tapete. 

No Brasil, a Comissão Nacional da Verdade – CNV, instituída pela lei n° 12528/11 e buscou apurar graves violações aos direitos humanos praticadas pelo Estado brasileiro entre 1946 a 1988, detendo-se especialmente nos 21 anos da ditadura iniciada em 1964. Embora produziu o “melhor documento da história do Brasil recente”, os especialistas dizem que o país ainda não viu os acusados serem punidos. “Foram dois anos e sete meses de trabalho, resumidos em um relatório de cerca de 2 mil páginas, em que foram apontados 377 responsáveis por crimes durante a ditadura militar (...) o documento fixou em 434 o número de mortes e desaparecimento de vítimas do regime (...) colheu 1.120 depoimentos, produziu 21 laudos presidenciais e realizou 80 audiências públicas”. 

Iniciativas de passar a limpo o passado recente – como no caso brasileiro – revelam o desejo das sociedades buscarem a defesa da memória, a busca pela verdade e o empenho para que se faça justiça. 
Infelizmente, no Brasil, só alcançamos a memória e a verdade. Como diz o ex-deputado estadual de São Paulo, Adriano Diogo (presidente da versão estadual de São Paulo da Comissão da Verdade): “faltou justiça, porque os militares não quiseram e não autorizaram, nem o Congresso aprovaria”. 
Então, podemos perguntar: como uma sociedade dessa pode sobreviver, amadurecer, manter-se unida e prosperar quando uma “casta privilegiada” participa frequentemente de golpes, conspirações, tramas, assassinatos e não é e nunca foi punida?  

Sobre o(a) autor(a)

SVG: autor Por José Renato Ferraz da Silveira
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

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