O escancarado Pix da miséria brasileira
Publicada em
16/08/2023
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“A maior desgraça da democracia é que ela traz à tona a força numérica dos idiotas, que são a maioria da humanidade”.
Nelson Rodrigues
O cientista político Rodrigo Augusto Prando, no ensaio intitulado Jair Bolsonaro (2018-2022): discurso, ação política e eleições, escreveu uma brevíssima trajetória do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL):
"deputado federal pouco expressivo, do chamado “baixo clero”, foi ganhando corpo e musculatura política e eleitoral. Sua trajetória parlamentar era vista como pouco séria, recheada de episódios alicerçados sobre preconceito e de elogios ao Regime Militar e à ditadura instaurada, bem como tecia loas aos conhecidos torturadores. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o então deputado Bolsonaro, em entrevista, havia dito que o erro da ditadura foi não matar mais, já que, em sua visão, deveriam ter matado uns 30 mil e começando pelo próprio presidente. Obviamente, alguns inocentes teriam morrido, mas esse era o preço para escapar dos perigos da esquerda, dos comunistas. Bolsonaro foi, na sua formação, militar, de baixa patente, mas com alto potencial explosivo, no sentido figurado e concreto. Foi julgado e expulso do exército e, em sua saída, recebeu a patente de Capitão. Um de seus planos era explodir adutores de água objetivando chamar a atenção para os ganhos salariais dos militares. Assim, mesmo tendo sido expulso do exército, foi formando sua base política entre militares, das Forças Armadas e das polícias. Foi, primeiramente, eleito vereador pela cidade do Rio de Janeiro, onde fincou raízes junto à sua família. Na condição de Presidente da República, Bolsonaro conta com três dos filhos no mundo político: um vereador no Rio de Janeiro, um deputado federal e um senador da república; Carlos Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Flávio Bolsonaro, respectivamente. Sobre o senador Flávio Bolsonaro encontram-se, com idas e vindas, suspeitas da prática de “rachadinha” em seu gabinete, ou seja, funcionários que, após receberem seus salários como assessores parlamentares, devolviam boa parte ao político. Uma família na política, em posições importantes, com acesso às redes sociais e com um pai candidato à presidência. Combinação perfeita para jogar por terra as considerações de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, de que o Estado não pode ser continuação dos interesses familiares. O chamado Clã Bolsonaro entende o Estado, a política e as questões públicas como extensão de seus interesses privados. Jair Bolsonaro nunca foi afeito à liturgia do cargo, seja qual cargo fosse, mas fica assaz alterado ao ser questionado sobre seus filhos, ex-esposas ou esposa ou em relação aos seus amigos. São abundantes os exemplos de falas de Bolsonaro que, no universo político, conseguiam chamar a atenção da mídia. Seu perfil constitui-se, assim, num político que era sincero, autêntico, o verdadeiro “tio do churrasco”, que, em todas as famílias, está representado naquele que faz piadas ou brincadeiras preconceituosas, mas é querido por boa parte dos familiares. Numa discussão com uma parlamentar, uma deputada do PT, Bolsonaro disse que não a estupraria porque ela não merecia, em alusão de que, no Regime Militar, a prática foi, infelizmente, verificada em situações de prisão e tortura de mulheres. Noutro episódio, disse à uma conhecida artista que o seu filho não se casaria com uma negra, pois, havia sido bem-educado (REVISTA INTERAÇÃO, 2022, p. 47-48)."
Bolsonaro tornou-se presidente da República e fez uma gestão desastrosa, tanto que foi o primeiro presidente a concorrer e não ser reeleito. O cientista político Cláudio Couto define assim a gestão Bolsonaro:
"Desmontaram-se diversos âmbitos da administração pública, foram desorganizadas políticas públicas que levaram anos para ser estruturadas, envenenou-se o ambiente político e se produziu uma crise institucional sem precedentes no funcionamento e na relação dos três poderes. Instituições cuja autonomia funcional e operacional seria primordial, como a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República, foram capturadas. E ainda, como se não bastasse, tivemos a perda evitável de centenas de milhares de vidas humanas em função da gestão caótica e sabotadora da pandemia, assim como danos ambientais de grande magnitude e provavelmente irreversíveis. O Brasil se tornou um pária internacional e perdeu influência nos principais debates globais, em particular aqueles em que se destacava, como o relacionado à questão ambiental. Foram anos de destruição que exigirão muito mais anos para reconstruir tudo."
Vale destacar que fazendo uso da máquina governamental, Bolsonaro tentou, sem sucesso, “ganhar” as eleições de 2022. Com a derrota, insuflou inúmeros atos golpistas pelo país e também o vergonhoso episódio de 8 de janeiro de 2023.
Agora, para completar o quadro dramático desse personagem político, segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Bolsonaro recebeu R$ 17,2 milhões via Pix de seus apoiadores. Os R$ 17,2 milhões foram arrecadados por meio de 769 mil transações feitas a conta de Bolsonaro de janeiro a julho deste ano. Os doadores das vaquinhas do ex-presidente são empresários, pecuaristas, advogados, estudantes e pessoas que se apresentam como do “lar”. Há, também, três empresas na lista de doadores. No mês de junho, deputados e influenciadores bolsonaristas chegaram a fazer uma campanha pedindo doações por Pix ao ex-presidente, alegando que ele seria vítima de “assédio judicial” e que precisava de ajuda para pagar o que chamaram de “diversas multas em processos absurdos” (Estadão). Pois bem, além de não pagar suas cinco multas com o Estado de São Paulo – que já somam mais de R$ 1 milhão – o ex-presidente aplicou o montante em investimentos de renda fixa. No sábado (dia 29 de julho), Bolsonaro afirmou que os mais de R$ 17 milhões que recebeu via Pix são suficientes para “pagar todas as contas” e “tomar caldo de cana e comer pastel” com sua mulher, Michelle Bolsonaro (PL).
Quando lembramos da trajetória de Bolsonaro (aqui apresentada) e as doações de PIX dadas por um bilionário, ex-ministro do TSE, locutor de rodeios e outros – para Bolsonaro pagar as multas - é bem possível que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues diria: “Nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar o homem”.
Referências
Silveira, J. R. F. da ., & Couto, C. G. . (2022). Entrevista Prof. Dr. Cláudio Gonçalves Couto. Revista InterAção, 13(2), 22–23. https://doi.org/10.5902/2357797571718
Prando, R. A. (2022). Jair Bolsonaro: 2018-2022 - Speech, political action ant elections. Revista InterAção, 13(2), 46–56. https://doi.org/10.5902/2357797571720
Sobre o(a) autor(a)
Professor do departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM